segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

AS AVENTURAS DE MILTON RIBEIRO

Os primeiros anos da década de 50 do século passado foram de grande vulto para o cinema brasileiro, com a exibição de um filme que se tornaria um grande clássico entre os cinéfilos: O Cangaceiro, de Lima Barreto (não é o famoso escritor carioca, mas um homônimo), que ganhou prêmios no exterior e transformou seu principal protagonista, Milton Ribeiro, em astro de renome internacional. Na época, Ribeiro tinha como vizinho um artista das Histórias-em-Quadrinhos, e com isso pensou em contatá-lo para uma possível versão do filme O Cangaceiro para as páginas de gibi. O artista em questão atendia pelo nome de Gedeone Malagola, então um jovem de 30 e poucos anos que dava seus primeiros passos como roteirista e ilustrador de HQs na paulistana Editora Júpiter, de Auro Teixeira (Ribeiro e Malagola residiam em Jundiaí, próximo da capital paulista). As negociações para se conseguir os direitos do filme não avançaram, e Milton Ribeiro pensou em transformar a si mesmo, ou por outra, apresentar um personagem vestido de cangaceiro chamado exatamente... Milton Ribeiro! E o ator deu carta branca ao vizinho & amigo Gedeone, só exigindo que o personagem fosse totalmente voltado ao Bem, e por isso que o Milton Ribeiro do gibi é diferente do sádico & violento Capitão Galdino, personagem que o ator interpretou no laureado filme. Muito ao contrário, Milton Ribeiro estava sempre ao lado da lei e da justiça.


Milton Ribeiro em Quadrinhos começou a ser publicado pela própria Editora Júpiter em Aventuras No Sertão (no ano de 1953), e posteriormente na famosa revista Vida Juvenil de Mário Hora Júnior, onde a série foi publicada por quase dez anos, e, mesmo não tendo aparecido em todos os números, tornou-se um inesperado sucesso entre os leitores, sucesso que durou quase uma década. E com a longevidade a série foi ganhando alguns outros personagens, como Filhota (uma versão da Luzia-Homem, eventual parceira de Mílton Ribeiro, em algumas aventuras tendo destaque principal) e o delegado Ricardo – que fisicamente se assemelhava ao próprio Gedeone (que também tinha por hábito desenhar colegas seus como personagens das histórias). Gedeone, a propósito, já demonstrou na ocasião muita criatividade (a marca de sua carreira), neste personagem que lhe exigiu muito estudo também, haja vista a adaptação que fez do romance de José de Alencar, O Gaúcho, e também sua polêmica versão sobre o conflito de Canudos. (JS)


Gedeone Malagola (de pé) e Mílton Ribeiro

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

JOÃO TYMBIRA EM REDOR DO BRASIL


Este blog pretende humildemente ser uma extensão para a informática do que representou para os fãs da HQB o Fã Zine n.18 - Heróis Nacionais, editado por José Eduardo Cimó em 1994. Claro, ainda falta muito para eu atingir tamanha honra. Mas é fato que os personagens sobre os quais comento por aqui, muitos eu só vim a conhecer pela curiosidade que me despertou a pesquisa do sr. Cimó. Além de me relembrar a memória afetiva, reavivando a lembrança de gibis que eu só conhecera no esquecido passado (época em que eu sequer me importava em saber se o artista do gibi era brasileiro ou não), o Fã Zine n. 18 me abriu os horizontes da HQB de forma então inusitada, apresentando personagens dos quais jamais ouvira falar, cuja existência eu desconhecia completamente! Vim a conhecer o Fã Zine tardiamente mas aqui estou, já há alguns anos pesquisando sobre os personagens que encontrei no Heróis Nacionais de José Eduardo Cimó (e espero que Deus me conceda saúde, forças e recursos para poder continuar esta pesquisa por muito tempo ainda). Confesso a vocês que, dentre os personagens brasileiros das HQs que vi no Fã Zine, alguns deles eu pensava que jamais viesse a conhecer, como por exemplo aquele que consta na página 103 do Fã Zine n.18: João Tymbira, de Francisco Acquarone. Mas felizmente eu estava enganado: graças a mais uma gentileza de meu querido amigo Espedicto Figueiredo, recebi de presente um fac-símile de ótima qualidade do exemplar único de João Tymbira Em Redor Do Brasil, e tive a chance de conhecer este notável personagem brasileiro das Histórias-em-Quadrinhos.

João Tymbira Em Redor Do Brasil foi lançado no ano de 1938, uma edição do Correio Universal, pelo preço de três mil réis (três mil e quinhentos, pelos correios), com 96 páginas no formato horizontal, apresentando duas tiras por página – muito provavelmente a edição traz coletânea do que havia sido publicado anteriormente nos jornais. Narra uma única história que é dividida em três partes. Na primeira delas, “Em Busca Do Roteiro Mysterioso”, o herói é apresentado sem delongas: “João Tymbira, forte e elegante, é carioca da gemma. Pratica todos os sports, até o foot-ball”.

E, acreditem, ele vai mesmo precisar de todas as habilidades de que dispuser, para enfrentar todos os perigos que enfrenta nesta aventura. Tudo começa a partir do momento em que o herói recebe uma carta de seu tio Gurgel, morador de Ouro Preto/MG, pedindo a presença do sobrinho após o falecimento do avô e recebimento de herança – herança da qual ninguém sabia muito bem o que era, pois o falecido avô havia deixado somente um misterioso mapa que, supunha-se, levaria a um “verdadeiro thezouro”. Do Rio de Janeiro a Ouro Preto é só a primeiríssima etapa da longa viagem Em Redor Do Brasil. Mal chega na região das Minas Gerais e percebe que o tio havia sido roubado por um vilão inescrupuloso com o sugestivo nome de Cascavel. Tymbira e seu amigo de infância, o índio Gorgulho, partem em busca do facínora percorrendo vastas regiões do território brasileiro. Ainda nesta primeira parte, passam pelos interiores de Minas Gerais e Bahia, sempre costeando o rio São Francisco. No caminho, salvam a bonita Rosinha de um grupo de cangaceiros sanguinários, comandados por alguém chamado Lampeão (com “e”, mesmo). As reviravoltas são incessantes, por vezes são os heróis que ficam à mercê dos bandidos, por vezes acontece o contrário. E o danado do Cascavel parece mesmo ser esguio, pois sempre consegue escapar. A primeira parte termina quando alcançam as cachoeiras de Paulo Afonso, ponto de partida para a segunda parte intitulada “Em Perigo Nos Ares E No Mar”. Da Bahia até Pernambuco, nosso herói faz jus a sua boa forma física: tentando resgatar Gorgulho e Rosinha, que haviam sido pegos pelos bandidos, João chega até a ficar pendurado numa corda amarrada num hidroavião. A aventura prossegue incessante pelo rio Jaguaribe, entre perseguições de barcos e jangadas, prontos para a terceira e mais emocionante parte desta aventura: “Entre Os Selvagens Da Amazônia”. Tymbira e amigos prosseguem na caça aos meliantes entre as florestas das regiões norte e centro-oeste. E claro que numa aventura como esta não poderiam faltar os índios (alguns amigáveis, outros nem tanto).


João Tymbira Em Redor Do Brasil é mesmo algo espetacular! Aventura frenética inspirada nos formidáveis personagens que eram lidos e adorados no mundo inteiro na época, mesmo visualmente o personagem principal é parecido com o Flash Gordon, com o Brick Bradford, ou o Red Barry. Ok, agora poderia intervir algum sexagenário comunista teórico de Quadrinhos e dizer que “não basta uma HQ apresentar cenários brasileiros, que se trata de uma verdadeira HQ brasileira!”. Se por um lado é certo que João Tymbira apresenta um estilo estadunidense de se contar uma História-em-Quadrinho, traz consigo uma brasilidade sublime, tão contagiante que nem mesmo os mofados cérebros guevaristas iriam resistir. E tamanha brasilidade é, na modesta opinião deste que vos escreve, o grande diferencial de João Tymbira. O autor Acquarone apresenta um riquíssimo painel da vida brasileira em diferentes regiões, e, sem jamais descuidar do lado aventuresco e de entretenimento que uma HQ deve apresentar a seus leitores, não se esquece de abordar temas históricos, geográficos, botânicos e antropológicos. E João Tymbira é um herói como deve ser, um bom exemplo para seus leitores, especialmente para os mais jovens que estão formando suas opiniões sobre as coisas da vida. Além de cuidar bem da saúde, é a favor do estado de direito e está sempre disposto a ajudar os outros, independente de cor, raça, etc. Como podem perceber, um tipo absolutamente inviável nesses dias de “relativismo moral”. Por mim, João Tymbira Em Redor Do Brasil deveria ser distribuído maciçamente nas escolas públicas, o que certamente seria muito mais saudável do que a atual e degradante doutrina marxista-gramsciana. Mas quem iria dar importância a um reacionário paranóico como eu, não é mesmo?
Só depois de publicar João Tymbira Em Redor Do Brasil é que os responsáveis pelo Correio Universal, o casal Manoel e Helena Ferraz (ela que assinava no expediente com o pseudônimo de “Álvaro Armando”) iriam se dedicar (como roteiristas, assinando “Francisco Armond”), com inestimável ajuda do artista Renato Silva, a magistral obra-prima da HQ brasileira: A Garra Cinzenta. (JS)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

BRETT CARSON & TOM TÉRIK em OS GUERREIROS DE JOBAH

Por volta do ano de 1990, a Icea Gráfica e Editora (localizada na cidade paulista de Campinas), especializada em livros técnicos para agricultores, tentou atingir um público diverso daquele a quem estava acostumada a servir: investiu no mercado de Histórias-em-Quadrinhos, e esta tentativa, a despeito de terminar pouquíssimos anos depois, acabou resultando em alguns memoráveis gibis. Tivemos quatro números de Mephisto – Terror Negro (o título bem explica o gênero da revista); uma edição especial com histórias de guerra, chamada Platoon (aproveitando o sucesso da bomba de Oliver Stone, mas felizmente a revista é muito melhor); dois números do Raio Negro de Gedeone Malagola (com histórias escritas por Gedeone e ilustradas por seu filho Géderson – que não seguiu carreira nos Quadrinhos, optou pela engenharia e hoje é executivo de multi-nacional); e quatro números de uma coleção apresentando HQs de aventura, fantasia e ficção-científica, talvez a mais querida e lembrada dos vários fãs de HQ conquistados pela Icea: Os Guerreiros de Jobah.

O melhor de tudo foi que essa ousada decisão editorial da Icea de lançar Histórias-em-Quadrinhos não se limitou a republicação de material estrangeiro, mas a dar firme apoio e incentivo aos artistas brasileiros. O diretor artístico da Icea contratado para a linha de publicações em Quadrinhos foi o experiente Dagoberto Lemos, que conseguiu reunir grandes nomes do cenário nacional das agaquês: Gedeone Malagola, Julio Shimamoto, Elmano Silva, Eloir Carlos Nickel, Ofeliano de Almeida, Emir Ribeiro, Deodato Borges Filho (hoje conhecido mundo afora como Mike Deodato), Julio Emílio Braz, Luiz Antônio Aguiar e tantos outros. Além das memoráveis HQs produzidas especialmente para as publicações da Icea, os gibis tinham “alma de fanzine”, publicando contos, artigos sobre o mundo das HQs, apresentava perfis e biografias de artistas diversos. Particularmente inesquecível para mim foi o apaixonado artigo escrito por Dagoberto Lemos no primeiro número de Os Guerreiros de Jobah, explicando como a proibição das HQs do gênero terror nos EUA possibilitou o surgimento de uma notável geração de artistas brasileiros. E também foi Lemos quem ficou com a incumbência de criar um personagem que parecia ser o “carro-chefe” da coleção: Brett Carson. Mas foram somente duas as histórias com Brett Carson publicadas na vida editorial d’ Os Guerreiros de Jobah – isso porque Lemos deixou a direção artística da Icea após o número 2 (seu nome aparece ainda no expediente do número 3, mas só figurativamente). A aventura do primeiro número é chamada “Aventura No Centro Da Terra”, uma excelente história com narrativa de ação ininterrupta no melhor estilo do gênero aventura & ficção das tiras de jornais das décadas passadas, da chamada Golden Age (Era Dourada dos Quadrinhos), em especial a influência do Buck Rogers de Calkins e Nowlan. Logo na primeira página, Carson é apresentado como um arqueólogo das Nações Unidas, sofre uma queda enquanto praticava alpinismo e vai parar num estranho mundo subterrâneo onde há vários reinos que ainda não haviam tido contato com os países da superfície. Um destes reinos tem o sugestivo nome de Aquarius, que havia abolido a prática da guerra, mas pelo visto cedo demais, ou não entenderam isso os homens-macacos que os atacavam. Para enfrentar a ameaça invasora, os aquarianos vão pedir ajuda ao homem da superfície. Carson vai resolvendo as paradas na base do muque e da destreza, conseguindo resgatar a princesa de Aquarius e enfrentando um tirano da floresta no reino de Jobah. Pena que a aventura de Brett Carson no segundo número tenha despencado tanto no roteiro. O nome do personagem é grafado com dois “t” na capa do número 2, mas somente com um (Bret) na HQ do miolo, chamada “O Enigma De Linpha”. Tendo como referência a primeira aventura, esta segunda é muito devagar, quase parando, pouquíssima ação e muita conversa desnecessária. O roteirista Alvimar Pires dos Anjos sem dúvida já fez coisa muita muito melhor (e o fez nesta mesma coleção da Icea). E pena que aquele personagem parecido com Charles Bronson apareça somente na primeira página da segunda HQ, onde o herói Carson e seus aliados aquarianos se defrontam novamente contra o tirano de Jobah (que tem o simpático nome de Ranghor).


Quem substituiu Dagoberto Lemos na direção artística da Icea não merece ter seu nome citado, mas o personagem que substituiu Brett Carson nas páginas de Os Guerreiros de Jobah, este sim merece algumas palavras: Tom Térik, criado por Gedeone Malagola, tendo o paranaense Eloir Carlos Nickel a responsabilidade de dar vida a ele em sua primeira aventura (publicada no terceiro número da coleção, aquele que saiu com formato maior do que os demais): “O Ídolo Dos Sete Olhos”. Nota-se uma preocupação dos autores em criar, ao mesmo tempo, um personagem novo mas que não fugisse muito das características de seu antecessor. Assim como este, Tom Térik é um arqueólogo, e esta sua primeira aventura é tão movimentada quanto aquela de Brett Carson que vimos no primeiro número. Disposto a ajudar uma linda sacerdotisa, Térik parte em busca de um artefato místico-religioso, e nessa empreitada irá enfrentar toda sorte de perigos: felinos grotescos, serpentes gigantescas, guerreiros bárbaros, vampiros alados, desafios que enfrentará com seu vigor físico e sua espada – contando sempre com a ajuda da linda sacerdotisa Taiara. Pena que Gedeone tenha assinado somente esta aventura de Tom Térik: a despeito do talento de Nickel no traço, a história do segundo número saiu com o roteiro meio truncado, apesar da HQ “O Magnífico De Ur” apresentar alguns momentos divertidos. Os roteiristas desta segunda e derradeira história de Tom Térik optaram por narrar conto de magia e misticismo, deixando de lado a aventura.
Gedeone ainda mostrou nesta coleção de Os Guerreiros de Jobah (no segundo número), uma HQ escrita e ilustrada por ele mesmo, e que reconhecia como uma de suas favoritas: Ginóide, uma excelente narrativa futurista, que vai surpreender aqueles que conhecem o trabalho de Gedeone somente no Raio Negro. E ainda sobre Gedeone Malagola: em conversa reservada comigo revelou toda a admiração e amizade que teve não só com Dagoberto Lemos, mas também com o diretor geral da Icea, Gervásio Cavalcanti. Mestre Malagola me disse que os gibis da Icea vendiam bem, o que levou ao fim das atividades teria sido a leviandade e o desleixo de um influente funcionário lá dentro, que não entendia nada sobre e desprezava os Quadrinhos e seus artistas – e tampouco sabia tratar bem as pessoas, de modo geral. (JS)






domingo, 10 de outubro de 2010

RAIMUNDO, O CANGACEIRO

Está lá na página 164 do Fã Zine Heróis Nacionais editado por José Eduardo Cimó em 1994 (obra que hoje é nobre referência para os pesquisadores e estudiosos dos personagens brasileiros das HQs), sobre Raimundo, O Cangaceiro: herói cangaceiro que foi criado por José Lanzelotti em 1953, era exclusividade da Editora La Selva, de Salvador Bentivegna. As aventuras se passam nas caatingas nordestinas, onde Raimundo, com 17 anos entra para o cangaço para vingar a morte do pai, morto pelo coronel Venâncio, que roubara suas terras. A história está dividida em capítulos com os excelentes desenhos de Lanzelotti, verdadeira obra-prima. Consegui resgatar um exemplar de Raimundo, O Cangaceiro aqui mesmo em Jaú, na Banca Garagem, e digo sem pestanejar que mestre Cimó está coberto de razão! Esta referida edição encontrada por mim trata-se na verdade de uma republicação, o segundo número da série re-editada pela Editora Edrel, provavelmente na década de 60 do século passado. Formato americano com 32 páginas em p&b, apresentando duas aventuras de Raimundo, O Cangaceiro e uma história complementar para-didática sobre o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (hoje em dia nome de rodovia muito utilizada e conhecida dos paulistas, atravessando importantes municípios do leste do Estado, até a capital), escrita por Minami Keizi e ilustrada por Fernando Almeida.

A primeira HQ deste gibi é a seqüência imediata do número anterior: o bando do cangaceiro Sussuarana, do qual faz parte Raimundo, acabara de dominar a cidade de Carrasqueira, e o líder ameaçava praticar sua justiça peculiar. Lanzelotti procura mostrar os cangaceiros como homens cruéis, determinados, justos com os mais pobres e implacáveis contra os funcionários públicos. Mas Raimundo faz questão de frisar que não entrou no cangaço para cometer crimes, mas sim para combater as injustiças. Éticas do cangaço à parte, a passagem por Carrasqueira será marcante para o personagem principal, pois perderá o seu padrinho Acácio, morto no embate com a polícia, e ainda conhecerá um grande amor na pessoa da jovem Jacira, a quem Raimundo salvara do nefasto Chico Rastejador – que estava pronto para estuprar a moça, contrariando as ordens de Sussuarana. E esse entrevero Raimundo vs. Chico acabará por trazer muita dor de cabeça ao bando de cangaceiros: ferido em seu orgulho, o Rastejador torna-se alcagüete da polícia, traindo seus antigos parceiros. Com astúcia, Sussuarana consegue despistar as “volantes”, mas o problema persistiria na aventura seguinte, chamada “O Cavalo Fantasma”. Raimundo sabia que, enquanto não desse cabo de Chico Rastejador, o delator continuaria a causar problemas. Por isso, ao lado do inseparável companheiro Rogério, partem na busca do vilão. Acabam parando num humilde vilarejo chamado Vila de Nazaré, onde Chico planejava fuga para São Paulo. Nesse local, Raimundo fica conhecendo a lenda de um certo cavalo maldito, considerado não só indomável, mas também assombrado! Desafiando a credulidade supersticiosa do povo local, ao cair da noite Raimundo consegue domar o animal, demonstrando assim que não havia nada de sobrenatural naquele belo espécime de eqüino. Enquanto isso, Chico Rastejador percebe que as pessoas que haviam prometido levá-lo, junto a outros retirantes, para a capital paulista, não passavam de trambiqueiros. Chico mata um deles e recupera o dinheiro das passagens, que estava sendo roubado pelos malandrões – mas não terá um segundo sequer para gastar um único centavo desse dinheiro, pois Raimundo o encontra, prendendo-o com um laço. Tentando fugir, o Rastejador acaba perecendo nas patas fatais do cavalo “assombrado”. E Raimundo, como bom cangaceiro que é, devolve o dinheiro aos retirantes ludibriados.
A admiração de José Eduardo Cimó pelo trabalho de José Lanzelotti (e a minha também, desde que pude ler esse exemplar de Raimundo, O Cangaceiro), faz todo sentido. Em Raimundo, O Cangaceiro temos, além do roteiro muito bem elaborado, bem desenvolvido, da nobre preocupação em mostrar o personagem principal uma pessoa íntegra e de bons princípios (mesmo vivendo num meio de marginalidade), temos ainda os belíssimos desenhos de Lanzelotti, que, se não são muito ricos em paisagens, possui traço levemente renascentista. Uma beleza de se ver, uma obra-prima, como bem disse José Eduardo Cimó.

Há pouco tempo atrás, tive a honra e a alegria de ser abordado virtualmente por Jussara Lanzelotti, filha do autor de Raimundo, O Cangaceiro, e através desse agradabilíssimo contato (que ainda existe, Graças a Deus), através de fotos diversas postadas em seus perfis no orkut pude conhecer mais da obra desse artista que não atuava exclusivamente nos Quadrinhos, mas também um pintor de muito talento, e um artista plástico de mancheia, muito versátil e criativo. (JS)

ÉRCIO ROCHA

Como já cansei de dizer anteriormente – ou por outra, já disse várias vezes e não vou me cansar de dizer – que foi através da pesquisa do sr. José Eduardo Cimó em seu Fã Zine -Heróis Nacionais (lançado em 1994) que meu espírito se entusiasmou e me levou a estudar mais seriamente sobre os personagens brasileiros das Histórias-em-Quadrinhos. E, dentre os muitos deles presentes no antológico e inesquecível Fã Zine, tive a felicidade de me deparar com alguns, em bancas de usados ou através de outros colecionadores. É o caso do fanzine Ércio Rocha, apresentando personagens dos Quadrinhos criados por Giorgio Cappelli em meados da década de 60 do século passado. Já os fanzines foram lançados muitos anos depois, entre 1992/93, sendo que, anteriormente (entre 1989/90), foram publicados no extinto jornal paulistano Notícias Populares – Ércio Rocha é narrado em tiras, eis como foi produzido. Caíram em minhas mãos os números 4 e 5 deste fanzine, com 32 e 36 páginas respectivamente, editados no formato retangular vertical (que hoje chamaríamos de widescreen). E, como estamos falando de fanzine, há editorial, sessão de cartas (com a participação de outros ilustres fanzineiros, como o saudoso Oscar Kern de Historieta e também Edgard Gumarães, este ainda cheio de vida e energia, lançando regularmente o centenário Quadrinhos Independentes) e artigos sobre HQs (como por exemplo o oportuno artigo sobre o personagem Raffles, de Carlos Thiré – o mesmo autor de Os Três Legionários De Sorte, memorável criação do passado).




Passaram pelas páginas do fanzine Ércio Rocha alguns notáveis personagens da HQ brasileira, todos criados por Cappelli, como por exemplo Minuano, o herói dos pampas gaúchos que, com suas bombachas, seu lenço, suas botas & esporas, além é claro de sua indefectível boleadeira, está sempre disposto a espalhar a justiça na região sul do país, tal qual o vento homônimo que por lá sopra. Na aventura publicada no 4º. fascículo de Ércio Rocha, o Minuano enfrenta os capangas folgados de um rico estancieiro, e para isso conta com a ajuda de uma jovem, linda e valente gauchinha, tão destemida que mete o pezinho dengoso, com força, no meio das pernas dos machões. E ainda pergunta ao bandidão: “gostas de coices nos bagos?”. Vindo de ti, guria, não deve ser tão mau...





Jose é a personagem convidada do 5º. fascículo, vivendo aventura doidona sobre discos voadores e feminismo sensual (tudo é possível!). Bom humor retro-futurista e, ousado para a época, com um leve toque de lesbianismo. Quadrinho brazuca pré-vanguarda européia. Se Guido Crepax leu isso, deve ter babado de inveja.



E o personagem que dá título ao fanzine é um jovem da Força Aérea Brasileira vivendo aventuras no pantanal matogrossense, em narrativas cheias de ação e movimento tais como as HQs que inspiraram o autor – Capelli é nascido em 1926, o que quer dizer que cresceu lendo os maiores clássicos da Era de Ouro, e não por acaso Ércio Rocha tem o pique, a energia e o entusiasmo de Tim Tyler’s Lucky, Johnny Hazzard, Scorchy Smith e outros heróis memoráveis das comic strips! Os fascículos 4 e 5 apresentam a história chamada “Bento Lobato”, quando Ércio Rocha e seus companheiros precisam deter um bando de vigaristas estrangeiros que praticavam pesca predatória na região. Os bandidos acabam por seqüestrar o pai de Ércio (o Bento Lobato do título) e para resgatá-lo o jovem da F.A.B. poderá contar com a ajuda de um espertíssimo e mui corajoso gaúcho. Este, a propósito, é um dos muitos personagens interessantes desta brilhante HQ, onde destaco também a presença de Gurupi, um índio imenso e de força incrível, sempre disposto a ajudar Ércio. E o grande destaque, o traço de Cappelli, riquíssimo em detalhes e paisagens.