sexta-feira, 30 de julho de 2010

FANTAR

Dentro do estilo cinematográfico aventura & ficção-científica, sobressaem na preferência dos cinéfilos os filmes com monstros gigantes, estilo de filme que vem preenchendo as telas e encantando os olhos das platéias ao longo dos anos, e que continua até os dias de hoje, haja vista as diversas produções apresentando monstros de todo tipo destruindo cidades e aterrorizando a humanidade – gênero que ganhou ainda mais força, diante das inovações tecnológicas e da evolução da informática. Os artistas das Histórias-em-Quadrinhos, eles também quase sempre cinéfilos inveterados, certamente não escapariam desta influência. E aqui no Brasil temos um ótimo exemplo de HQ de monstrão detonando tudo, num gibi lançado na segunda metade da década de 60 do século passado pela Gráfica & Editora Penteado (GEP): Fantar, um ótimo personagem numa coleção que infelizmente durou somente 4 números (todos em formato americano com 32 páginas em p&b), com histórias assinadas por Milton Mattos e ilustradas com a competência & talento habituais de Edmundo Rodrigues.
E o número 1 começa com a corda toda, logo no primeiro quadro, ocupando mais da metade da página e mostrando imagem que relembra os formidáveis cartazes dos memoráveis filmes de monstro das décadas passadas – seguida de uma rápida explicação da origem do Fantar: é o resultado de uma experiência genético-atômica projetada por uma quadrilha maléfica denominada Organização dos Sete Sábios (O.S.S.), com o nefasto intuito de destruir as cidades e dominar o mundo, ou o que restar dele. Por isso foi criado esse monstro enorme, irracional e indestrutível – e é assim que Fantar inicialmente se comporta, como um genuíno Godzila tupiniquim. Acontece que um renegado da O.S.S., o dr. Branny, é quem revela ao Serviço Secreto incumbido de destruir Fantar que aquela criatura apavorante é um ser humano transformado naquele gigantesco e disforme monstro através de experiências genéticas. Fantar fôra dotado de inteligência pífia, máquina de destruição cheia de inexplicável ódio, por isso se comporta assim, “meio” burrão. E reparem na potência do bicho: a cada ataque atômico que recebe, não sente um arranhão, e pior: cresce em tamanho & força! Fantar só pôde ser impedido graças a uma certa gosma melequenta inventada pelo dr. Branny. A história termina em suspense: teria perecido o Fantar? Só se as vendagens fossem muito baixas.Ainda bem que, mesmo remando contra a força da indústria dos comics norte-americanos, e do desprezo de boa parte dos leitores brasileiros que abominam, mesmo sem conhecer, qualquer obra em Quadrinhos feita por conterrâneos, um segundo número do Fantar chegou nas bancas, com mais duas histórias: primeiramente em “A Ameaça de Tunamar”, nosso monstro reaparece próximo de um reino submarino desconhecido pela civilização terrestre, um país aquático chamado exatamente Tunamar, governado & habitado por povo belicista, pronto para invadir o planeta e tomar a superfície de assalto. E quem chega a tempo de impedir o nefasto plano dos tunamarianos é o próprio Fantar, que, dentre vários perigos, encontra seu maior desafio numa batalha contra um polvo igualmente gigantesco. E Fantar deve mesmo ter se cansado nesta aventura, pois sequer aparece na história seguinte, focada no dr. Branny que estava sendo alvo de atentados letais provocados pela O.S.S. – e enquanto isso, o dr. Branny se mostra um sujeito meio “chove-não-molha”, ao ser assediado pela bonita Miss Dotty, secretária e filha do chefão do Serviço Secreto, sugestivamente conhecido como Mr. Leader.
No terceiro número de Fantar temos também mais duas histórias, começando com “Os Invasores”, uma divertidíssima HQ de ficção-científica, com Fantar enfrentando uma invasão alienígena na Amazônia, detonando vários discos-voadores. Enfraquecido por não receber as habituais cargas atômicas, Fantar acaba reduzido ao tamanho de um ser humano – menos mal que acaba ficando mais inteligente do que antes. E, se nos dois primeiros números Fantar era uma grande ameaça para a humanidade, aqui acaba se tornado um super-herói, salvando a Terra de uma invasão alienígena. Já a segunda HQ do número 3 de Fantar chama-se “A Volta de Mr. Leader” – “volta” porque descobriu-se que o chefe do Serviço Secreto havia sido capturado e substituído por um espião impostor. E continua a busca por Fantar, que recuperara seu gigantismo. Prossegue também o flerte mal-resolvido entre Branny e Miss Dotty. O quarto e derradeiro número de Fantar começa com “Nas Portas de Shambála” (“Sambála”, na capa), apresentando um fabuloso quebra-pau entre Fantar e um tiranossauro das terras dos incas. E a segunda HQ deste 4ª. número fecha com chave-de-ouro a carreira deste gibi entre nós: “Os Inimigos de Miss Dotty” é quase uma HQ erótica, mostrando fartamente as personagens femininas em biquínis (Miss Dotty, uma espião da O.S.S. e uma outra, coadjuvante). Bem, há também alguns bandidos, para que não nos esqueçamos que estamos lendo um gibi de aventura. Miss Dotty mostra ser hábil no judô, derrubando um dos facínoras espiões. Fantar, o dono do gibi, tem participação totalmente dispensável, aparecendo em irrisórios três quadros.
E terminava assim a saga de Fantar no mercado editorial brasileiro, mais um que sucumbiu diante dos poderosos inimigos externos e internos, mas ainda presente na imaginação dos leitores da época e na dos novos leitores interessados & curiosos a respeito da HQB. Há alguns anos, muito depois do Fantar, surgiu um personagem estadunidense visualmente parecidíssimo com o brazuca, uma coisa chamada Savage Dragon, uma das maiores porcarias da História dos comics – e mesmo assim teve mais leitores brasileiros do que o Fantar. Mais um típico exemplo do rodrigueano “complexo de vira-latas” que atormenta a alma brasileira.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

OS GUERREIROS DO CREPÚSCULO

Nossa HQB tem muito a agradecer a todos os envolvidos na curta porém produtiva vida útil da editora independente paulistana Press Editorial, responsável por uma variada gama de lançamentos nas bancas, nas décadas de 80 e 90 do século passado. E foram lançados gibis de todos os gêneros: humor (foi a primeira editora a lançar revista própria do Níquel Náusea, de Fernando Gonzalez), terror, erotismo, faroeste, mas o destaque mesmo esteve na linha de fantasia & ficção-científica, sob a batuta de grandes artistas dos Quadrinhos brasileiros. Esta revistona Contato Imediato, apresentando Os Guerreiros do Crepúsculo, cuja capa vocês puderam ver logo acima, e sobre a qual estaremos comentando rapidamente, é um notável exemplo do que foi a Press Editorial capitaneada por Franco de Rosa. O responsável pelo roteiro e pelos desenhos d’ Os Guerreiros do Crepúsculo foi o paranaense Eloir Carlos Nickel (t.c.c. E.C. Nickel), um dos mais profícuos colaboradores da Press, onde pode mostrar outros personagens em Quadrinhos como Korban, O Exterminador de Andróides e Wull, O Guerreiro – até hoje Nickel continua na ativa, recentemente apresentou aos leitores um novo personagem heróico e futurista: Ultrax.
Lançada por volta de 1986/87, em revista formato grande contendo 40 páginas, Os Guerreiros do Crepúsculo são combatentes humanos de variadas épocas da História (incluindo uma época lendária): o representante de nossa modernidade é Lucas, um soldado sem pátria que luta para o governo que lhe pagar melhor; Trog, o homem das cavernas; Cibele, uma guerreira amazona (eis aí a participante da época lendária); Kulai, arqueiro mongol das fileiras do exército de Genghis Khan; Fanghar, nobre viking servo de Odin; e Mobuto, tão valoroso quanto mudo zulu africano. Todos foram reunidos num futuro dimensional por ação de um estranho gigante alienígena, que os livrou no exato instante em que sofreriam a morte terrestre e os transportou àquela estranha dimensão para que pudessem ajudar seu povo a exterminar uma raça inimiga, uma horda de demônios sanguinários. Para ajudar os humanos nesta batalha, o gigante alienígena lhes concede a ajuda de um poderoso andróide do futuro – mas seria este cyborg confiável? O que nossos (anti) heróis não imaginam, é que neste violento jogo espacial estaria em risco a própria existência da humanidade.
Nickel nos proporciona uma excelente HQ, uma das melhores aventuras do gênero, com muita ação e pitadas de humor, na medida certa. Mas, como já aconteceu (e ainda acontece) com tantos outros ótimos personagens brasileiros dos Quadrinhos, Os Guerreiros do Crepúsculo tiveram vida brevíssima nas bancas – creio que somente este número, esta aventura. Quanto aos motivos da brevidade dos nossos heróis de papel, permitam-me discordar da maioria, que reputa ao poder dos comics e dos mangás o fracasso editorial dos personagens brazucas das HQs. Creio que o motivo é ainda mais grave: trata-se do profundo desprezo que grande parte dos editores brasileiros, e, principalmente, dos leitores de Quadrinhos no Brasil, sentem a respeito dos personagens escritos & desenhados por compatriotas. Sem dúvida se encaixa naquilo que decretou o cronista Nélson Rodrigues, em décadas passadas: é o insidioso “complexo de vira-latas”, que faz os brasileiros detestarem tudo o que for brasileiro, e sempre a reputar os estrangeiros com muito mais virtudes do que nós próprios – a nós, só caberia defeitos. A persistência desse pensamento, desse lamentável “complexo de vira-latas”, isto sim é que poderá nos levar para o crepúsculo. (JS)



terça-feira, 27 de julho de 2010

JAGUARETÊ

Os Quadrinhos de Terror começaram a ser publicados no Brasil a partir da década de 50 do século passado, e, com o avanço da censura estadunidense sobre esse estilo de HQ, e para suprir os anseios do mercado editorial brasileiro, artistas pátrios passaram a produzir histórias de terror para inúmeros títulos lançados nas bancas. Iniciava-se, desta forma, uma admirável tradição dos Quadrinhos brazucas (tradição que, infelizmente, vem declinando juntamente com o declínio dos gibis de maneira geral). A partir da década de 70, especialmente com a revista Spektro, da Editora Vecchi, as histórias de terror passaram a ser narradas entre símbolos, lendas e paisagens brasileiras, notadamente nordestinas (onde se destacou o grande artista Elmano Silva – t.c.c. Mano – autor de personagens memoráveis como O Homem do Patuá e Trio Diabólico). Essa tendência de terror nacionalista, vamos dizer assim, prosseguiu com força total na revista Mestres do Terror, da Editora D-Arte de Rodolfo Zalla, um título que, tal como a revista Calafrio, da mesma editora, tornaram-se as mais longevas publicações do estilo terror, no mercado editorial brasileiro. E foi na revista Mestres do Terror, mais especificamente nos números 28 (de 1984) e 34 (de 1985), que Sidemar de Castro (roteiro) e Rubens Cordeiro (desenhos) apresentaram seus Contos Índios de Terror, destacando-se um interessantíssimo personagem brasileiros dos Quadrinhos: Jaguaretê.

A tradição tupi (e de outras tribos nativas do Brasil) em nossa formação cultural sempre teve sua força e, a despeito de todas as crueldades e injustiças que foram praticadas contra nossos indígenas, sobrevive até hoje. Na música, na literatura, no cinema e também nas Histórias-em-Quadrinhos, os índios sempre foram tema & fonte de inspiração para diversos artistas. E nossos quadrinhistas, mesmo vivendo num Brasil cada vez mais urbanizado, não se esquecem de nossas tradições ancestrais e, vira-e-mexe, criam alguns heróicos personagens indígenas que abrilhantam as páginas dos gibis – seja no estilo realista, como é o caso do Jaguaterê, seja no estilo infanto-juvenil, como o surpreendente Krahomim, do versátil Elmano Silva, o mesmo que inovou nas HQs de terror durante a vida editorial da Spektro.

Tivemos somente duas HQs apresentando o personagem Jaguaretê, mas ambas muito marcantes, que merecem destaque em futuras antologias da HQB. O traço maravilhoso de Rubens Cordeiro faz jus aos textos de Sidemar de Castro, ricamente embasados em pesquisa antropológica, roteiros que agradam em cheio aos fãs de aventura e terror, ao mesmo tempo em que se tornam profundas metáforas sobre um pouco da alma e da História dos homens. Na aventura publicada no número 28 de Mestres do Terror, Jaguaretê estréia mostrando ser um instigante jovem tupi, valoroso guerreiro, e bastante irrequieto, haja vista as incansáveis perguntas que faz ao ancião & feiticeiro da tribo. Este último, sabendo estar vivendo seus últimos dias na Terra, dizia a seu jovem pupilo que, somente após derrotar o terrível & traiçoeiro monstro Jurupari, só derrotando este monstro é que Jaguaterê teria condições de se tornar um pajé. A coragem do jovem guerreiro tupi o leva ao êxito, enfrentando um monstro que representa o pior medo dos homens, o “eu interior”, os nossos próprios demônios.

Se na primeira história de Jaguaterê temos uma profunda visão das angústias humanas, a HQ publicada no 34º. número de Mestres do Terror, é uma tremenda – e macabra – alegoria histórica. Desta feita, Jaguaretê, já consagrado como pajé da tribo, precisa enfrentar um terrível monstro que vem trucidando os habitantes de seu povo. Este monstro das profundezas representa, igualmente, os maus agouros do destino: é o Ipupiara, o arauto do fim do mundo – ao menos o fim do mundo dos tupis, que começava a ruir com a chegada dos europeus em território brasileiro.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

PABEYMA

No ano de 1968, a Editora Edrel lançava nas bancas o primeiro número de Pabeyma – o primeiro, infelizmente, de uma curta série de quatro números (todos no formato americano, 34 páginas p&b). Uma pena que não tenha continuado por mais 400 números, tão formidável e precursora é esta criação de Nelson Ciabattari y Cunha, brilhantemente ilustrada por Paulo I. Fukue. Este, na ocasião, já havia criado outros dois heróis brazucas, que também foram publicados pela Edrel: Tarun (ok, mais adequado seria chamar-se “Tarzun”) e o interessantíssimo Super Heros (t.c.c. Heros). Fukue foi também ilustrador do ótimo Sanjuro, O Samurai Impiedoso, criação de Paulo Hamasaki, que seria lançado alguns anos depois, pela M&C Editores. Antes mesmo que o primeiro número de Pabeyma chegasse nas bancas, a sua primeiríssima HQ, aquela que contava sua origem, já havia sido lançada pela mesma Edrel no 4º. número de Super Heros. Para não republicar uma história que havia sido recentemente lançada (ainda não havia chegado a hora dos encalhes, nem dos almanaques), as primeiras páginas do primeiro número de Pabeyma apresentam um conto introdutório escrito por Ciabattari, narrando aos leitores a origem de Pabeyma, e mais: numa leitura atenta podemos perceber a riqueza da pesquisa feita para a concepção deste personagem e seu universo incomuns.
Penso que um artista, ao elaborar sua obra, o faz influenciado pelas dores e alegrias de seu tempo. E isso se aplica mesmo quando se aborda o estilo ficção-científica. Ainda que se trate de temas que mostram mundos futuros hipotéticos, prováveis, inconcebíveis, etc., o autor da obra tem no coração as angústias de sua própria época. E os leitores de qualquer obra feita no passado, devem levar isso em consideração. Reduzir uma obra futurista escrita no passado, como se fosse um simples exercício profético, é subestimar a capacidade do artista. Pouco importa se Jules Verne ou George Orwell acertaram ou erraram o futuro previsto em seus livros (e eles mais acertaram que erraram!). O que fica é o registro de cada época, sob o ponto de vista daquelas mentes criativas & inquietas. Da mesma forma, todo aquele que, lendo Pabeyma, seguir tais preceitos, vai se espantar até cair o queixo, percebendo estar diante de uma obra muito a frente de seu tempo. Pabeyma foi criado a partir das notáveis evidências que demonstram quase que irrefutavelmente a presença de seres de outros planetas na Terra, durante a antiguidade. E, se levarmos em conta principalmente aqueles gigantescos sinais iconográficos no topo da cordilheira dos Andes, os extraterrestres não só nos visitaram, mas muito provavelmente dominaram e governaram os povos antigos. E esta é a premissa inicial de Pabeyma: seres de um planeta distante chegam aqui e encontram homens vivendo com dinossauros. Bondosos, os visitantes espaciais livram os terrestres do martírio de Prometeu, repartindo sua vasta experiência com os autóctones – e não só isso: misturam-se a eles fazendo mescla das duas raças, e ainda deixam todo seu vasto conhecimento, como legado àquela nova geração. E os visitantes eram de um povo muito evoluído, que já dominava a ciência genética, já havia vencido a velhice e agora travava o desafio de superar a morte. E, o primeiro resultado desta nova empreitada, é uma criança gerada em laboratório, concebida não só para o esplendor físico, mas, graças a um feito cirúrgico notável, fôra implantado no cérebro desta criança toda memória e todo o conhecimento históricos, revelando-se assim todo o conhecimento desta nova humanidade, formada pelos filhos de terrestres com alienígenas. Perdendo-se ao longo dos anos, a criança perfeita cresce e recebe o afeto de uma tribo tupi-guarani, que o chama Pabeyma – que quer dizer “o imortal”. Seu notável saber e suas proezas físicas o transformam num líder em todo o mundo, até que é aclamado como diplomata universal, encarregado de resolver encrencas na Terra e fora dela.
O visual super-heróico do Pabeyma remete ao Visão/The Vision, personagem criado por Jerry Siegel (o autor do Superman) na década de 50 do século passado, e revivido por Stan Lee para a Marvel Comics na década seguinte. Por incrível que pareça, o primeiro número de Pabeyma é, de longe, o mais fraquinho dos quatro (não que seja ruim, os outros é que são bem melhores). O herói-diplomata, ser genético criado artificialmente, mas impregnado da alma tupi-guarani, vai até o planeta Marte resolver uns problemas desencadeados pela vaidade de uma orgulhosa rainha. As intenções pacíficas de Pabeyma fracassam e ele é obrigado a lutar contra um imenso eunuco, e até mesmo contra sua majestade – o que nosso herói não sabia era que, de acordo com as leis de Marte, aquele que vencesse a rainha em combate, era obrigado a desposá-la em matrimônio! Que patacoada, hein? Mas o bom humor também faz parte das aventuras de Pabeyma, sendo ele mesmo um sujeito muito espirituoso. Os três números restantes de Pabeyma é que vão mostrar porque este personagem, mesmo com passagem fulgurante pelo mercado editorial brasileiro, vem sendo lembrado por estudiosos e colecionadores de gibis, até os dias de hoje. E não é para menos: o “Herói Cósmico” é um exemplo de excelente ficção-científica nos Quadrinhos, um notável mundo futurista criado pelos autores e que revelam muito da época histórica em que foi feita. Vejam por exemplo, o que ocorre em Pabeyma n.2: a revista foi lançada entre agosto e setembro de 1968; e na história principal, a ação corre no ano de 1990. Segundo a visão dos autores, a insistente Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética havia causado um estrago e tanto no planeta: pesquisas & guerras genéticas haviam transformado a face dos humanos, agora seres híbridos com características animais – sendo mantidas, entretanto, as diferenças raciais e sociais. Estes novos seres humanos são conhecidos como “mutados” e, ao se descobrirem mais fortes e poderosos do que os humanos normais, tomaram-lhes o poder político e ainda iniciaram contra eles uma perseguição de intolerância. É aí que entra Pabeyma: com muita diplomacia, ele vai tentar resgatar os humanos normais, agora refugiados em seu próprio planeta. E é neste cenário que Pabeyma vai viver as aventuras publicadas nos números 2, 3 e 4 de sua revista. Aventuras de certa forma independentes, mas interligadas (o que pode ser constatado no final de cada história, sempre com um “gancho” para a seqüência, a exemplo dos antigos seriados do cinema). Suspense, ação, narrativa ágil, com as boas influências da Era de Ouro dos comics. E destaque para o traço marcante de Fukue (especialmente nas cenas de ação e luta), mais influenciado pelo Quadrinho europeu, do que o estadunidense, como bem observou o historiador dos comics, Antônio Luiz Ribeiro.
Ainda no segundo número, Pabeyma vai parar na região dominada por homens-alados; no terceiro número (o mais empolgante da série), o Herói Cósmico é obrigado a enfrentar alguns dos campeões dos “mutados” – e curioso é que, contra cada adversário, nosso herói aparece com um visual distinto. No quarto e último número, Pabeyma é capturado pelos homens aquáticos, e acaba ajudando-os a combater um polvo gigantesco. O quadro final anunciava uma próxima aventura, que jamais foi publicada (mas... terá sido escrita & ilustrada? Alguém sabe?). Uma lástima... mas, se Pabeyma sucumbiu ante a indiferença dos leitores patrícios, o tempo se encarregou de valorizá-lo – haja vista obras como o moderníssimo ByoCyberDrama, de Edgar Franco e Mozart Couto, que aborda muito dos temas vistos em Pabeyma.

domingo, 25 de julho de 2010

ZHOR, O ATLANTA

Confesso que, quando encontrei, há uns 10 anos atrás, escondido entre uma pilha de gibis, esse raro exemplar de Zhor, O Atlanta, uma polpuda edição de 92 páginas lançada pela Editora Taíka (não consta no gibi a data específica de lançamento, mas tudo indica ser da virada das décadas 60/70 do século passado), eu jamais ouvira falar deste personagem. Mesmo assim, na ocasião me interessei em resgatar essa raridade, a começar pela linda capa de Walmir Amaral. Evidente que o nome do personagem visa “embarcar” na popularidade do mais famoso Thor, versão de Stan Lee & Jack Kirby – e isso era prática constante no mercado editorial do período, lembremo-nos do que nos disse o mestre Rodolfo Zalla, a respeito do Targo, a versão brasileira do Tarzan: nas prateleiras das bancas, pelo fato da segunda sílaba de Targo vir encoberta, escondida por outra publicação qualquer, muitos leitores desatentos pegavam a revista (e a compravam) pensando se tratar de uma revista do Tarzan – e muito provavelmente só percebiam isso quando chegavam em casa...


De qualquer forma, vale o registro de que Zhor é mesmo um personagem fascinante, que infelizmente teve apenas três histórias publicadas nesta edição da Taíka. Se tivesse sido criado nos EUA, provavelmente teria vida editorial muito mais longa. Criado por Francisco de Assis P. da Silva, Zhor é um guerreiro e líder da lendária Atlântida, construída pelo autor a partir de elementos historicamente comprovados nas diversas civilizações da antiguidade, notadamente grega, inca e hindu. A Atlântida de Francisco de Assis da Silva ergue-se e desaba segundo os registros de relatos dos grandes homens daquelas sociedades, de compilações religiosas diversas, e da assombrosa suspeita de intervenção extraterrastre naqueles povos. Além deste apurado senso de historiador, e de um fascinante lirismo mitológico, o autor Francisco se mostra um ágil e vibrante roteirista de HQ. As aventuras de Zhor possuem grande influência das Era de Ouro dos comics – tanto que, muito mais do que o Thor de Lee & Kirby, nosso Zhor se assemelha muito mais a outro e mais antigo personagem, o notável Flash Gordon de Alex Raymond.



A primeira HQ publicada neste gibizão chama-se “Guerra Contra Os Lemurianos”, escrita por Francisco de Assis da Silva e ilustrada pelo incansável Walmir Amaral de Oliveira, apresenta aos leitores a sociedade atlantiana, e então nos mostra seu guerreiro máximo, o Arconte Polemarcho, Zhor! Que se descontrai das penosas obrigações do reino caçando javalis – e, pouco após matar um enfurecido suíno, é atacado por um mini-dinossauro, que Zhor rechaça com pistola de raio laser. Após ser informado de que os lemurianos, uma nação inimiga, estavam mandando tropas para invadir Atlântida, Zhor parte de volta em seu disco-voador (chamado Vimana) para chegar mais rapidamente à sala de reuniões onde, frente ao senado e a assembléia popular, sentindo-se o herdeiro do deus Marte, o Arconte proclamará triunfalmente a guerra, sob eufórico consentimento popular, vindo da multidão que grita incessantemente: “Guerra! Guerra! Viva a Atlântida”! As páginas seguintes mostram os desfiles e as manobras militares, e especialmente, em detalhes, movimentos e estratégias de batalhas, ação desenfreada que faz desta empolgante HQ estilo medieval sci-fi, um digo & esquecido épico da antologia brasileira de Quadrinhos. A segunda história do gibi, intitulada “A Saga De Zhor, O Atlanta” (novamente escrita por Francisco, agora desenhada por Moacir Rodrigues) mostra a origem de Zhor, e muito mais do que isso: a ascensão e derrocada de Atlântida. Catástrofes naturais ou fúria dos deuses?E temos então a derradeira HQ, “Ameaça Submarina”, igualmente escrita por Francisco de Assis Silva, novamente ilustrada por Walmir Amaral – agora artefinalizado por Milton (nos créditos consta somente o primeiro nome, não seria Milton Sardella?). Uma alucinante aventura de ficção-científica, com monstro, homens-peixe, andróides. E Zhor manda fogo (ou laser) nos conspiradores lemurianos, sem dó! Zhor O Atlanta n.1 possui charme de fanzine: tem editorial, reprodução de textos escritos pelo filósofo grego Platão descrevendo o reino da Atlântida. Nas páginas centrais há um encarte em papel cartonado, com mapas cartográficos mitológicos (em cores) onde o autor nos mostra as intrigantes evidências da passagem de seres extraterrestres com seus objetos voadores identificáveis aos olhos dos antigos, através das mais notáveis escrituras clássicas. (JS)