quarta-feira, 18 de agosto de 2010

PANCHO

Outro exemplo de personagem brasileiro de História-emQuadrinho baseado nos filmes de bang-bang à italiana, é o Pancho, do talentoso Pedro Mauro Moreno, lançado numa edição única pela Editora Taíka em 1971 (teve também uma HQ publicada em outro título da Taíka, Cow- Boy). Pancho é praticamente um personagem de Sérgio Leone, veste poncho sobre os ombros e seus hábitos aparentemente frios e taciturnos não escondem a sede de justiça. Neste gibi lançado pela Editora Taíka, Pancho vive sua aventura num humilde povoado mexicano, em busca de quadrilha que assaltara um, literalmente, explosivo carregamento de nitroglicerina.



CANYON


Outro personagem dos Quadrinhos brasileiros nitidamente inspirado no Django do cinema, e produzido anteriormente ao Django de Luís Meri e Rodolfo Zalla, foi Canyon, que teve ao menos um gibi lançado pela Editora Roval na primeira metade da década de 70 do século XX, mostrando histórias escritas por Victor Martins e José Sebastião Penteado, ilustradas por Hugo Martins e Wilson Fernandes (arte-final). Canyon era um fugitivo da justiça que, além de se esconder das garras da lei, vivia se metendo nas encrencas alheias – e, para resolvê-las, contava sempre com a força de seus punhos e a boa pontaria no manejo do colt. Tal como o Django do cinema, Canyon possui ar misterioso e soturno, além de usar o poncho, que é marca registrada nas telas com o ator Franco Nero. E, como todo bom herói de spaghetti western que se preze, Canyon é impreterivelmente surrado pelos malfeitores, antes de revidar com sua pontaria certeira. Os roteiros das aventuras de Canyon nos Quadrinhos até que não eram ruins, os desenhos, entretanto, meio desleixados (certamente os autores poderiam fazer melhor, não fosse a correria do mercado editorial do período), não são muito animadores.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

JOHNNY PECOS / DJANGO

Os filmes de faroeste, embora hoje em dia estejam em franca decadência, sempre encantaram gerações passadas, e é claro que os roteiristas e ilustradores de HQs não estariam de fora desta – exemplo marcante até hoje é o Tex da Bonelli Editore, que, mesmo com o descaso (e até mesmo aversão) que o gênero western vem angariando nos últimos tempos, ainda mantém relevante popularidade entre os fãs das Histórias-em-Quadrinhos, e em especial no Brasil, onde continua sendo, disparado, o gibi mais vendido nas bancas, deixando para trás toda baboseira marvel, dc, vertigo e outras porcarias.
E em nosso país é também marcante a presença de personagens de faroeste criados por artistas patrícios. Um estilo que não faz parte de nossa História, mas certamente faz parte de nossa cultura, haja vista que filmes, seriados e HQs de faroeste sempre fizeram grande sucesso entre nós, durante as décadas em que o western era o gênero preferido das multidões. E isso se reflete até os dias de hoje, com os dvds, os fã-clubes, os fanzines, e até mesmo nos gibis, haja vista a nova empreitada de Tony Fernandes com sua Apache – e mesmo deste humilde escriba, em O Bom & Velho Faroeste, gibi com história de far-west com arte notável de Adauto Silva.
Um bom exemplo do fascínio exercido pelo faroeste em nossos quadrinhistas foi o ousado projeto da Editora D-Arte de Rodolfo Zalla, na década de 80 do século passado: Johnny Pecos. Zalla, oriundo da Argentina (país que também conta, em sua história editorial das HQs, com uma variada gama de personagens de faroeste), bancou revista em formato europeu com 48 páginas (quase todas em cores) que contou com a participação de grandes nomes dos Quadrinhos Brasileiros tais como Eugênio Colonnese, Gedeone Malagola, Luís Meri, Rubens Cordeiro, entre outros. O personagem-título Johnny Pecos é uma criação de Jota Laerte (roteiro) e Rodolfo Zalla (desenhos). Pecos é um mestiço da fronteira, meio estadunidense e meio mexicano, que tem a noiva e o sogro cruelmente assassinados por bandoleiros bêbados. Mesmo sendo bem sucedido em sua vingança, ele sabia que sua vida estava mudada para sempre: tornara-se um viajante solitário, percorrendo desertos e pradarias entre facínoras e federales, sempre pronto a defender aqueles que se encontram em desvantagem.
As histórias de Johnny Pecos, além da dose indispensável de tiros e pancadaria, também mostravam as angústias dos personagens, humanizando-os. E os desenhos de Mestre Zalla dispensam maiores comentários, especialmente entre aqueles que já se tornaram calejados apreciadores da HQB. Apesar de todo capricho e talento dos envolvidos, Johnny Pecos durou somente 4 números – naquela época, o western já perdera muito de seu prestígio entre o grande público, vitimado que foi pela militância politicamente correta, de modo que Zalla e seus parceiros passaram então a se dedicar aos Quadrinhos macabros com Calafrio e Mestres do Terror, dois grandes sucessos por mais de uma década. Nos anos 90 a Editora Noblet chegou a lançar um gibi de Johnny Pecos, re-editando HQs publicadas pela D-Arte.
De modo geral, os artistas brasileiros dos Quadrinhos que se aventuraram no gênero faroeste, pareciam mais inspirados nos filmes de bang-bang feitos na Itália, do que nos originais estadunidenses. Exemplo marcante disso, da influência do spaghetti-western em HQs brasileiras, pode ser visto num personagem que teve duas HQs publicadas no antológica Johnny Pecos, da Editora D-Arte (mais especificamente, nos número 3 e 4) – personagem que levava o nome de um dos mais famosos filmes italianos de faroeste: Django (interpretado no cinema pelo ator Franco Nero). Com roteiros de Luis Meri e desenhos de Rodolfo Zalla, o que mais chamou a atenção nas aventuras de Django foi seu inimigo, um fanfarrão de nome Pancho – tipo aliás muito recorrente nos bang-bangs italianos, uma caricatura do que teria sido o “general” Pancho Villa, o sanguinário revolucionário mexicano que aterrorizava mexicanos e estadunidenses da fronteira (chegou até a invadir e saquear a cidade de Durango), na primeira década do século XX. Já este Pancho do gibi, praticamente morto na aventura publicada no número 3 de Johnny Pecos, retorna cheio de vida no número seguinte, onde mais uma vez é colocado à beira da morte. Mas quem “morreu”, infelizmente, foi mesmo a revista do Johnny Pecos, uma pena.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

OPHYDIA A RAINHA SERPENTE

No 31º. número da revista Sobrenatural, lançada pela Editora Vecchi em outubro de 1981, os leitores tiveram a oportunidade de conhecer uma notável HQ escrita e ilustrada por Eloir Carlos Nickel: Ophydia, A Rainha Serpente, o grande destaque daquela edição. A história começa em plena floresta amazônica, onde dois exploradores arqueólogos enfrentam sofregamente a invencível floresta, em busca de um misterioso e desconhecido templo sagrado. Quando já perdiam a esperança, encontram o fascinante monumento que relembra as construções incas e egípcias. No interior do templo a primeira coisa que encontram é uma advertência, avisando os incautos dos perigos de se despertar uma certa deusa-serpente. Claro que os cépticos senhores não dão a menor importância para o aviso, até que se deparam com uma linda espécie de fêmea: era Ophydia, A Rainha Serpente que despertara do sono milenar, pronta para dar seqüência a seu legado de sangue! Um dos arqueólogos é a primeira vítima fatal dos dentes peçonhentos da rediviva Ophydia, reduzindo o pobre coitado a cinzas. O outro arqueólogo, chamado Walter, é poupado não por misericórdia da cruel deusa, mas para que seu corpo físico seja reencarnado por Khor, o fiel servo da Rainha Serpente. Khor livra-se então de seu corpo putrefato, e habita agora o jovial corpo de Walter. Este, por sua vez, passaria a carregar o sombrio aspecto de um defunto egípcio – um corpo de múmia! Ophydia e Khor seguem para a grande metrópole, com a firme intenção de dominar os chefões do crime. Só não contavam com um detalhe: a obstinação do atormentado Walter, movido pelo ódio, em busca de vingança.
A saga de Ophydia, A Rainha Serpente demonstra que E.C. Nickel não é somente um excelente desenhista, mas também um roteirista de mão cheia, capaz de narrar uma história excelente, e de escrever ótimos diálogos. Sua HQ é impecavelmente bem construída, história ágil, aventura movimentada, cheia de suspense, ação, e com notáveis referências aos melhores filmes de terror do cinema, especialmente dos delirantes filmes B.

GUERREIRO NINJA


A trajetória das Histórias-em-Quadrinhos no Brasil possui marcante tradição no que diz respeito aos personagens de artes marciais, como por exemplo O Judoka (Pedro Anísio e Baron), Mão de Ferro (Minami Keizi e Ignácio Justo), Karatê 09 (Cláudio Seto), Sanjuro O Samurai Impiedoso (Paulo Hamasaki e Paulo Fukue), O Ninja (Deodato Filho, t.c.c. Mike Deodato), Kung Fu (Hélio do Soveral e José Menezes), Karatê Men (Wilson Hisamoto e Kemi Shimizu), Cinthia (Paulo Yokota), Mestre Kim (Luiz A.Aguiar), entre outros. E dentre estes outros, temos o Guerreiro Ninja criado por Tony Fernandes. Fernandes e equipe formaram, a partir dos anos 80 do século passado, um dos mais produtivos estúdios de HQs, tendo lançado, seja com selo próprio (Editora Phênix) ou por outras editoras (especialmente a Noblet) vários gibis de variados gêneros, tamanhos e personagens. Dentre os tipos super-heróicos, tivemos Fantasma Negro e especialmente Fantastic Man, um herói de ficção-científica de ótima aceitação na época, de modo que preservou fãs até os dias de hoje (este que vos escreve, inclusive), quando Fernandes prepara o retorno triunfal do herói em edição colorida.
E, para falar do Guerreiro Ninja, ninguém melhor do que o próprio autor, por isso reproduzo a seguir um texto introdutório assinado por Fernandes, e publicado num gibi em formatinho chamado A Maldição do Guerreiro Ninja, lançado pela Editora Noblet por volta de 1996: (...) dois agentes da divisão especial da polícia de Nova Iorque se transformam em Guerreiros Ninja, para combater o crime organizado, as drogas e o terrível Mestre Higuchi, o senhor supremo da organização do mal, um black ninja que converte seus seguidores em assassinos e prega o domínio total e a submissão da humanidade à filosofia maligna (...) Steve Bishop e Susan Kinkaid (Os Guerreiros Ninjas) foram criados pelos estúdios Tony Fernandes em 1989, baseado no estrondoso sucesso dos filmes de ação, que até hoje são campeões de bilheteria, e desde então esta série nunca mais deixou de ser publicada, tornando-se verdadeiro cult do Quadrinho nacional. Sob o comando do comissário James Backer e do sensei Takemura, os Guerreiros Ninjas vieram para dinamizar a linguagem das HQs nacionais, visando atingir o público mais adulto, por isso suas aventuras são repletas de erotismo, mulheres sensuais, muita violência e ação – e acrescento: com muito bom humor. Eu, particularmente, rachei o bico ao ler a aventura “Demônio das Trevas” (publicada num gibi tamanho europeu, lançado nos anos 90 do século XX), ao perceber que Bishop, que é casado, se torna amante de Susan, e os adúlteros chegam a zombar da pobre esposa, que chora desoladamente... de fato, os heróis dos Quadrinhos passavam a viver outros tempos, onde a boa moral pouco importa.
Na verdade, Bishop e seu rival mestre Higuchi são reencarnações de dois espíritos ninjas do Japão medieval, inimigos mortais desde então e que retomam sua batalha em Nova Iorque do século XX – e tais episódios ancestrais são narrados nas HQs através de flashbacks (que demonstram boa pesquisa histórica). Higuchi arrebata para si diversos aliados, enquanto Bishop pode sempre contar com a inestimável ajuda de Susan, além do Esquadrão Ninja da Polícia de Nova Iorque (!!!). Quanto as vestimentas, os ninjas do Bem só se diferenciam dos ninjas do mal por uma caveirinha estampada no capuz destes últimos. Os uniformes de Bishop e Susan aparecem magicamente quando ambos tocam os anéis que possuem (o que nos faz lembrar daquele desenho animado dos estúdios Hanna-Barbera, Shazzan), anéis que mostram o símbolo da dicotomia Bem-mal, yin-yang – esta mágica transformação de vestuário, por sua vez, parece inspirada nas histórias do Judoka (que começou combatendo o crime solitariamente, e com tempo acabou também ganhando uma parceira, Lúcia).
Se Guerreiro Ninja é diversão garantida, por outro lado levanta questão antiga, e muito pouco divertida: HQs no estilo super-herói feitas no Brasil, podem ou não ser consideradas “coisa nossa”? Isso realmente é uma discussão acadêmica que se arrasta há anos. Para vocês terem uma idéia, reparem que curioso comentário do sr. Moacy Cirne, publicado na Revista de Cultura Vozes, de janeiro/fevereiro de 1971, e que estarei reproduzindo na seqüência. Na ocasião, o sr. Cirne falava sobre o Judoka, personagem que na época alcançou inesperado sucesso de vendas pela Editora Brasil América Ltda. (Ebal), de Adolfo Aizen. Mesmo reconhecendo as virtudes do personagem e seus ilustradores, conclui o sr. Cirne, babando um marxismo de algibeira, que o Judoka, um herói brasileiro, não se coaduna com a estrutura ideológica da sociedade brasileira. Porque não serão aventuras no interior do Maracanã, no interior de Minas Gerais, no Pão de Açúcar ou em Recife, que o tornarão um herói de nossa gente, como um Macunaíma. Depois de ler isso, fiquei imaginando Carlos (o Judoka), diante de um perigo onde, além da troca mágica de uniforme, trocasse também a cor da tonalidade de sua pele... não creio que o sr. Cirne tenha mudado de opinião, mesmo passado tanto tempo (haja vista seus comentários mais recentes, ainda com o mesmo fervor marxista-gramsciano). O fato é que um personagem como O Guerreiro Ninja transgride visceralmente aquela assertiva feita pelo sr. Cirne em 1971: um gibi de herói feito no Brasil onde não só todos os personagens não são brasileiros, mas também a ação transcorre em outro país (no caso, os EUA), e que, entretanto, demonstra uma brasilidade entusiasmante. Tony Fernandes ambientou as aventuras do Guerreiro Ninja em Nova Iorque como poderia fazê-lo em qualquer grande cidade desse nosso planeta massificado, mas uma leitura atenta dos diálogos e uma boa percepção dos roteiros nos faz perceber inegáveis talento e bom humor muitíssimos brasileiros de seus criadores – incluindo aí uma saudável “tiração de sarro” dos estadunidenses.