domingo, 10 de outubro de 2010

RAIMUNDO, O CANGACEIRO

Está lá na página 164 do Fã Zine Heróis Nacionais editado por José Eduardo Cimó em 1994 (obra que hoje é nobre referência para os pesquisadores e estudiosos dos personagens brasileiros das HQs), sobre Raimundo, O Cangaceiro: herói cangaceiro que foi criado por José Lanzelotti em 1953, era exclusividade da Editora La Selva, de Salvador Bentivegna. As aventuras se passam nas caatingas nordestinas, onde Raimundo, com 17 anos entra para o cangaço para vingar a morte do pai, morto pelo coronel Venâncio, que roubara suas terras. A história está dividida em capítulos com os excelentes desenhos de Lanzelotti, verdadeira obra-prima. Consegui resgatar um exemplar de Raimundo, O Cangaceiro aqui mesmo em Jaú, na Banca Garagem, e digo sem pestanejar que mestre Cimó está coberto de razão! Esta referida edição encontrada por mim trata-se na verdade de uma republicação, o segundo número da série re-editada pela Editora Edrel, provavelmente na década de 60 do século passado. Formato americano com 32 páginas em p&b, apresentando duas aventuras de Raimundo, O Cangaceiro e uma história complementar para-didática sobre o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (hoje em dia nome de rodovia muito utilizada e conhecida dos paulistas, atravessando importantes municípios do leste do Estado, até a capital), escrita por Minami Keizi e ilustrada por Fernando Almeida.

A primeira HQ deste gibi é a seqüência imediata do número anterior: o bando do cangaceiro Sussuarana, do qual faz parte Raimundo, acabara de dominar a cidade de Carrasqueira, e o líder ameaçava praticar sua justiça peculiar. Lanzelotti procura mostrar os cangaceiros como homens cruéis, determinados, justos com os mais pobres e implacáveis contra os funcionários públicos. Mas Raimundo faz questão de frisar que não entrou no cangaço para cometer crimes, mas sim para combater as injustiças. Éticas do cangaço à parte, a passagem por Carrasqueira será marcante para o personagem principal, pois perderá o seu padrinho Acácio, morto no embate com a polícia, e ainda conhecerá um grande amor na pessoa da jovem Jacira, a quem Raimundo salvara do nefasto Chico Rastejador – que estava pronto para estuprar a moça, contrariando as ordens de Sussuarana. E esse entrevero Raimundo vs. Chico acabará por trazer muita dor de cabeça ao bando de cangaceiros: ferido em seu orgulho, o Rastejador torna-se alcagüete da polícia, traindo seus antigos parceiros. Com astúcia, Sussuarana consegue despistar as “volantes”, mas o problema persistiria na aventura seguinte, chamada “O Cavalo Fantasma”. Raimundo sabia que, enquanto não desse cabo de Chico Rastejador, o delator continuaria a causar problemas. Por isso, ao lado do inseparável companheiro Rogério, partem na busca do vilão. Acabam parando num humilde vilarejo chamado Vila de Nazaré, onde Chico planejava fuga para São Paulo. Nesse local, Raimundo fica conhecendo a lenda de um certo cavalo maldito, considerado não só indomável, mas também assombrado! Desafiando a credulidade supersticiosa do povo local, ao cair da noite Raimundo consegue domar o animal, demonstrando assim que não havia nada de sobrenatural naquele belo espécime de eqüino. Enquanto isso, Chico Rastejador percebe que as pessoas que haviam prometido levá-lo, junto a outros retirantes, para a capital paulista, não passavam de trambiqueiros. Chico mata um deles e recupera o dinheiro das passagens, que estava sendo roubado pelos malandrões – mas não terá um segundo sequer para gastar um único centavo desse dinheiro, pois Raimundo o encontra, prendendo-o com um laço. Tentando fugir, o Rastejador acaba perecendo nas patas fatais do cavalo “assombrado”. E Raimundo, como bom cangaceiro que é, devolve o dinheiro aos retirantes ludibriados.
A admiração de José Eduardo Cimó pelo trabalho de José Lanzelotti (e a minha também, desde que pude ler esse exemplar de Raimundo, O Cangaceiro), faz todo sentido. Em Raimundo, O Cangaceiro temos, além do roteiro muito bem elaborado, bem desenvolvido, da nobre preocupação em mostrar o personagem principal uma pessoa íntegra e de bons princípios (mesmo vivendo num meio de marginalidade), temos ainda os belíssimos desenhos de Lanzelotti, que, se não são muito ricos em paisagens, possui traço levemente renascentista. Uma beleza de se ver, uma obra-prima, como bem disse José Eduardo Cimó.

Há pouco tempo atrás, tive a honra e a alegria de ser abordado virtualmente por Jussara Lanzelotti, filha do autor de Raimundo, O Cangaceiro, e através desse agradabilíssimo contato (que ainda existe, Graças a Deus), através de fotos diversas postadas em seus perfis no orkut pude conhecer mais da obra desse artista que não atuava exclusivamente nos Quadrinhos, mas também um pintor de muito talento, e um artista plástico de mancheia, muito versátil e criativo. (JS)

ÉRCIO ROCHA

Como já cansei de dizer anteriormente – ou por outra, já disse várias vezes e não vou me cansar de dizer – que foi através da pesquisa do sr. José Eduardo Cimó em seu Fã Zine -Heróis Nacionais (lançado em 1994) que meu espírito se entusiasmou e me levou a estudar mais seriamente sobre os personagens brasileiros das Histórias-em-Quadrinhos. E, dentre os muitos deles presentes no antológico e inesquecível Fã Zine, tive a felicidade de me deparar com alguns, em bancas de usados ou através de outros colecionadores. É o caso do fanzine Ércio Rocha, apresentando personagens dos Quadrinhos criados por Giorgio Cappelli em meados da década de 60 do século passado. Já os fanzines foram lançados muitos anos depois, entre 1992/93, sendo que, anteriormente (entre 1989/90), foram publicados no extinto jornal paulistano Notícias Populares – Ércio Rocha é narrado em tiras, eis como foi produzido. Caíram em minhas mãos os números 4 e 5 deste fanzine, com 32 e 36 páginas respectivamente, editados no formato retangular vertical (que hoje chamaríamos de widescreen). E, como estamos falando de fanzine, há editorial, sessão de cartas (com a participação de outros ilustres fanzineiros, como o saudoso Oscar Kern de Historieta e também Edgard Gumarães, este ainda cheio de vida e energia, lançando regularmente o centenário Quadrinhos Independentes) e artigos sobre HQs (como por exemplo o oportuno artigo sobre o personagem Raffles, de Carlos Thiré – o mesmo autor de Os Três Legionários De Sorte, memorável criação do passado).




Passaram pelas páginas do fanzine Ércio Rocha alguns notáveis personagens da HQ brasileira, todos criados por Cappelli, como por exemplo Minuano, o herói dos pampas gaúchos que, com suas bombachas, seu lenço, suas botas & esporas, além é claro de sua indefectível boleadeira, está sempre disposto a espalhar a justiça na região sul do país, tal qual o vento homônimo que por lá sopra. Na aventura publicada no 4º. fascículo de Ércio Rocha, o Minuano enfrenta os capangas folgados de um rico estancieiro, e para isso conta com a ajuda de uma jovem, linda e valente gauchinha, tão destemida que mete o pezinho dengoso, com força, no meio das pernas dos machões. E ainda pergunta ao bandidão: “gostas de coices nos bagos?”. Vindo de ti, guria, não deve ser tão mau...





Jose é a personagem convidada do 5º. fascículo, vivendo aventura doidona sobre discos voadores e feminismo sensual (tudo é possível!). Bom humor retro-futurista e, ousado para a época, com um leve toque de lesbianismo. Quadrinho brazuca pré-vanguarda européia. Se Guido Crepax leu isso, deve ter babado de inveja.



E o personagem que dá título ao fanzine é um jovem da Força Aérea Brasileira vivendo aventuras no pantanal matogrossense, em narrativas cheias de ação e movimento tais como as HQs que inspiraram o autor – Capelli é nascido em 1926, o que quer dizer que cresceu lendo os maiores clássicos da Era de Ouro, e não por acaso Ércio Rocha tem o pique, a energia e o entusiasmo de Tim Tyler’s Lucky, Johnny Hazzard, Scorchy Smith e outros heróis memoráveis das comic strips! Os fascículos 4 e 5 apresentam a história chamada “Bento Lobato”, quando Ércio Rocha e seus companheiros precisam deter um bando de vigaristas estrangeiros que praticavam pesca predatória na região. Os bandidos acabam por seqüestrar o pai de Ércio (o Bento Lobato do título) e para resgatá-lo o jovem da F.A.B. poderá contar com a ajuda de um espertíssimo e mui corajoso gaúcho. Este, a propósito, é um dos muitos personagens interessantes desta brilhante HQ, onde destaco também a presença de Gurupi, um índio imenso e de força incrível, sempre disposto a ajudar Ércio. E o grande destaque, o traço de Cappelli, riquíssimo em detalhes e paisagens.